Especialista do INPE afirma que a Amazônia vai enfrentar a mais "devastadora" seca da história

Botos mortos no lago Tefé (AM)

Condições climáticas muito diferentes que as observadas em outros anos estão por trás da seca extrema que castiga a Amazônia, alertam cientistas. A seca deve atingir uma área ainda maior e pode vir a se prolongar até o fim do primeiro semestre de 2024, causando uma tragédia humana e ambiental na região amazônica e com desdobramentos para o clima de outras partes do país.

Gilvan Sampaio, coordenador geral de Ciências da Terra do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), afirma que o El Niño tem levado a culpa sozinho, mas não é ele o principal responsável neste momento pela estiagem severa no Sudoeste amazônico e sim aquecimento excepcional do Oceano Atlântico Tropical Norte. O El Niño, porém, deve intensificar seus efeitos já na primavera. Combinados, os efeitos dos dois fenômenos podem provocar uma seca longa e devastadora, talvez a pior dos registros.

— Temos a pior combinação possível. Se as condições atuais do Atlântico Tropical Norte permanecerem e o El Niño continuar a se intensificar, esta poderá ser a pior seca da Amazônia. E o mesmo pode acontecer no Semi-Árido nordestino em 2024 — enfatiza Sampaio.

Rios devem continuar secando

A seca severa já fez o nível dos principais rios do Sul do Amazonas ficar abaixo da média histórica para esta época do ano, o período de estiagem. Um período naturalmente difícil se tornou dramático, com comunidades sem água e isoladas, pois a navegação se tornou difícil ou impossível em vários pontos de rios importantes, como Madeira, Juruá e Purus.

Em especial, a seca na Bacia do Rio Madeira deve piorar em virtude de o Atlântico Tropical Norte estar muito quente. Ou seja, lá não é o El Niño, que ainda está no início. Tudo indica que será uma situação semelhante ou até pior do que em 2005 no Sudoeste da Amazônia — destaca Sampaio.

O Atlântico superaquecido também foi a causa da devastadora seca de 2005, uma das piores registradas na Amazônia, só superada pela de 2010. Porém, diferentemente de 2023, 2005 não foi um ano de El Niño e em 2010 o Atlântico não estava tão quente quanto agora, diz Sampaio.

Por isso, este ano, com a combinação dos dois oceanos aquecidos a tendência é de uma seca generalizada no bioma.


— Este ano o Atlântico está ainda mais quente do que em 2005. Além disso, a combinação do Atlântico mais quente com o El Niño, que também reduz as chuvas na Amazônia, pode levar a uma seca de extensão e severidade ainda maior — frisa Sampaio.

À medida que o El Niño se fortalece, seus efeitos começam a ser sentidos com maior intensidade na Amazônia e a previsão é que as condições de seca avancem do Sudoeste para o Leste e o Norte da região ao longo da primavera e do verão. E perdurem pelo primeiro semestre de 2024.

Todo o Atlântico Norte e não apenas o Tropical tem estado excepcionalmente quente este ano. Anomalias de quase 2 graus Celsius na temperatura se manifestam em tempestades. Em setembro, o Atlântico Norte gerou o dobro do número de ciclones que o Pacífico, mesmo estando este em momento de El Niño. O Pacífico somou 37 ciclones contra 74 do Atlântico Norte.

A Bacia do Rio Madeira é a mais afetada pela atual seca e seus rios estão abaixo da cota mínima histórica. Sampaio explica que o aquecimento do Atlântico intensifica um fenômeno natural e que regula o clima no Sudoeste da Amazônia.

Normalmente, o ar que sobe para a atmosfera no Atlântico Tropical Norte desce no Centro-Sul da Amazônia nessa época do ano.

As águas mais quentes intensificam esse padrão de circulação atmosférica. O ar quente do oceano sobe com maior intensidade e também desce com força sobre a terra. É um sistema de alta pressão atmosférica, que aquece o ar por compressão e inibe a formação de nuvens e, consequentemente, de chuva.

Por Ana Lúcia Azevedo — Rio de Janeiro

Fonte: O Globo

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