MPF e MPT recomendam que Prefeitura de Santarém reconheça educadores indígenas como professores

O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) expediram uma recomendação conjunta para que a Prefeitura Municipal de Santarém (PA) e a Secretaria de Educação do Município de Santarém (Semed) interrompam o que os órgãos consideram uma prática de discriminação étnica e trabalhista contra professores indígenas.
Os educadores indígenas atuam como pontes entre o conhecimento tradicional de suas comunidades e o conhecimento escolar, buscando uma educação que respeite a cultura e os valores de seu povo. São responsáveis por transmitir e fortalecer a língua, os conhecimentos, os costumes e os modos de vida de seus povos, garantindo a continuidade cultura,
A recomendação determina que os profissionais responsáveis pelo ensino de Língua Materna (Nheengatu/Munduruku) e Notório Saber (Saberes Indígenas) sejam reconhecidos e contratados como professores, com o mesmo regime jurídico e direitos garantidos aos demais docentes da rede municipal.

A medida é resultado de inquéritos civis do MPF e do MPT que apuram a discriminação. Segundo o documento, esses educadores indígenas são contratados como monitores ou instrutores, o que lhes nega os direitos e garantias do magistério.

Violação da isonomia – O MPF e o MPT citam relatos de lideranças e da comunidade escolar que afirmam que a Semed não considera esses profissionais como integrantes da categoria de professores, ferindo o princípio da isonomia.

Um dos casos mencionados é o de uma professora indígena que, após se graduar no ensino superior, foi informada que não poderia lecionar a matéria de Saberes Indígenas e ser remunerada como professora.

Outro relato grave aponta que, embora o contrato de trabalho formalmente os designe como professores, na prática a remuneração é de instrutor.

Durante uma reunião, a Semed informou ao MPF queo profissional só é tratado como professor quando, além dos Saberes Indígenas, também leciona outra matéria da grade curricular comum”.

Detalhes da recomendação – Dirigida ao prefeito José Maria Tapajós e à secretária de Educação Maria José Maia da Silva, a recomendação estabelece a necessidade da adoção das seguintes providências:
  • reconhecer e contratar os profissionais de Língua Materna e Notório Saber como professores, garantindo o mesmo regime jurídico do magistério; e
  • estabelecer um processo obrigatório de formação continuada e de progressão para formação superior para esses profissionais, se necessário com apoio de outros entes federativos e instituições de ensino.
Os processos de formação continuada e de progressão para formação superior, segundo a recomendação, devem ser obrigatórios e devem envolver a participação comunitária – nos termos da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) –, além de ter em vista que os monitores de saberes tradicionais não substituem professores com formação superior nos casos de turmas dos últimos anos do ensino fundamental e do ensino médio.

Além disso, o processo de formação continuada deve compreender metodologias de ensino adaptadas ao contexto intercultural, conhecimentos pedagógicos básicos, integração entre saberes tradicionais e currículo oficial e formação em serviço com acompanhamento especializado, apontam MPF e MPT.

A recomendação também orienta que o processo de progressão para formação superior deve considerar cursos de licenciatura intercultural, programas especiais de formação de professores indígenas, reconhecimento de saberes adquiridos na experiência e flexibilização curricular que valorize os conhecimentos tradicionais.

Prazos e próximas etapas – A Prefeitura e a Semed têm até 3 de setembro para apresentar uma manifestação por escrito sobre o cumprimento da recomendação. De forma complementar, os órgãos notificaram a Semed para que, até 16 de julho, preste uma série de esclarecimentos, incluindo:
  • a quantidade de professores indígenas e de monitores de saberes tradicionais e língua materna, com dados sobre admissão e lotação; 
  • a remuneração base de professores indígenas, professores não indígenas e monitores, com a respectiva previsão legal; 
  • e a existência de diferenças entre as atividades exercidas pelos diferentes grupos.
Uma audiência presencial com o MPT, o Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns (Cita) e a Semed foi agendada para 25 de agosto, na sede do MPF em Santarém, para tratar da questão.


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