Empresa Equatorial fornece energia elétrica para invasores de terras indígenas no Pará


Fabiano Maisonnave
Folha de São Paulo

Uma das maiores distribuidoras do país, a Equatorial Energia vende a imagem de empresa que apoia a preservação da Amazônia e a responsabilidade social. Mas, longe das redes sociais, ela tem fornecido eletricidade para invasores de algumas das terras indígenas mais desmatadas do país.

Documentos obtidos pela Folha mostram que, em duas terras indígenas da região do Médio Xingu (PA), a Equatorial fornece energia sem a autorização da Funai e o licenciamento ambiental do Ibama, como exige a legislação. Em área com provável presença de isolados, a empresa prosseguiu com a distribuição de luz mesmo após ter dois pedidos de autorização negados pela Funai e pelo Ibama.

No Oeste do Pará, a empresa também fornece energia para uma das maiores invasões de terras no município de Santarém. A invasão conhecida como Ocupação do Juá, chega a atingir uma Área de Preservação Permanente. (Tapajós Notícias) 

Por meio da assessoria de imprensa, a Equatorial alega que cumpre todas as exigências legais e todos os requisitos ambientais nas ligações de sua responsabilidade no Pará.

Na Terra Indígena Apyterewa, no município de São Félix do Xingu (PA), a energia da Equatorial abastece a Vila Renascer. O lugarejo foi erguido ilegalmente, quando a área já havia sido regularizada como território do povo parakanã, e serve de apoio a grileiros e garimpeiros. Há ali posto de gasolina, restaurantes, mercados, hotel e serviço de internet.

A reportagem da Folha esteve no local em setembro de 2020 e constatou dezenas de quilômetros de postes de energia na via de acesso e dentro da Renascer. Dois meses depois, em novembro, a Funai notificou a Equatorial a remover toda a estrutura de dentro de Apyterewa em até sete dias. A empresa nada fez e recebeu multa de R$ 201 mil.

No relatório de fiscalização, o Ibama afirma que o fornecimento de energia elétrica estimula a invasão, o que gera desmatamento e poluição vinda do lixo e do esgoto sem destinação.

Sobre sua atuação em Apyterewa, a Equatorial diz que "está aguardando orientações da Funai para atender à solicitação do Ibama de retirada de ligações irregulares feitas por terceiros, à revelia da empresa".

AMEAÇA A ISOLADOS

Na mesma região do Médio Xingu, a própria Equatorial admitiu ao Ibama a existência de oito instalações dentro da Terra Indígena Ituna/Itatá, uma área interditada pelo governo federal desde 2011 devido à possível presença de indígenas isolados.

Em fevereiro, o Ibama multou a Equatorial em R$ 2,51 milhões por ter instalado a transmissão de rede elétrica em Ituna/Itatá sem a autorização da Funai e do Ibama e por não ter cortado a distribuição de energia aos invasores. Meses antes, o órgão ambiental ofereceu escolta para a retirada da estrutura, mas o escritório da empresa em Marabá (PA) recusou a proposta.

Anos antes, em 2018, a Equatorial tentou, mas não conseguiu permissão legal para atuar ali. À época com o nome de Celpa, a empresa protocolou pedido de autorização para instalar uma rede de 68 km na Ituna/Itatá, negada pelo Funai. O parecer do órgão indigenista rejeitou afirmando que "o projeto visa beneficiar não-indígenas que estão ocupando irregularmente".

Mesmo com a negativa, a Equatorial, no mesmo ano, insistiu com o licenciamento ambiental no Ibama, também recusado. Pela legislação, o primeiro passo é a autorização da Funai.

Um dos clientes da Equatorial em Ituna-Itatá é Walter Rosa Alvino, denunciado pelo MPF (Ministério Público Federal) à Justiça Federal por desmatar 48 hectares de floresta intacta dentro da terra indígena. Nos autos, ele nega o crime.

Em paralelo, Alvino entrou com uma ação na Justiça para tentar legalizar a invasão. Ele alega que foi o beneficiário de uma generosa doação de 2.337 hectares de floresta do governo estadual, em 2010. No processo, a Procuradoria-Geral do Estado do Pará afirma que essa doação inexiste.

"A Terra Indígena Ituna/Itatá se encontra atualmente sob intensa pressão e invasão por parte de agentes econômicos da região. Tal ocupação irregular vem comprometendo seriamente as condições de sobrevivência dos possíveis índios isolados na área, conforme relatado em diversas denúncias feitas por esta Funai", afirma o órgão indigenista federal, em manifestação no processo movido por Alvino.

Os invasores de Ituna/Itatá têm como aliado político o senador e pastor evangélico Zequinha Marinho (PSC-PA). Ele defende o fim da renovação da interdição de uso da área, a cada três anos, o que abriria caminho para legalizar a grilagem.

A Equatorial disse que "atua em permanente diálogo com todos os órgãos competentes" e negou que tenha levado multas.

"No que diz respeito especificamente às notificações do Ibama, elas não são necessariamente manifestações de irregularidades e podem ser parte do processo de licenciamento", afirmou, por meio da assessoria de imprensa.

DESMATAMENTO RECORDE

A situação das duas áreas é crítica. Apyterewa foi a terra indígena mais desmatada do Brasil entre agosto de 2020 e julho de 2021, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), uma perda de 6.850 hectares de floresta. No total acumulado, o território dos parakanãs já teve 11% da sua vegetação nativa convertida em pasto.

Em 2019, Ituna/Itatá foi a mais devastada do país, com 11.990 hectares de destruição, um aumento de 663% em relação ao ano anterior. O desmatamento caiu em 2020 com ações do Ibama, mas está voltando a subir, segundo o Sirad X, sistema de monitoramento da iniciativa Xingu+, que reúne entidades da sociedade civil. Somente em setembro, o dado mais recente, 785 hectares de floresta foram derrubados.

Apesar de atuar nessas áreas em contrariedade com a legislação ambiental, a Equatorial Energia busca projetar uma imagem de sustentabilidade. No início do mês, patrocinou, em Belém, o evento "Amazônia in Loco", sobre práticas sustentáveis. Montou um estande decorado com vasos de plantas e distribuiu mudas de açaí.

"A energia que nós temos também pode trabalhar em conjunto com a preservação da nossa natureza", disse, em vídeo nas redes sociais publicado durante o evento, a analista de sustentabilidade Michelle Miranda.

"Essa empresa que, teoricamente, tem uma preocupação ambiental, está corroborando com o processo de invasão ilegal de terra indígena", afirma Leonardo Lenin, indigenista do OPI (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato). "Ela legitima e potencializa essa ocupação, uma vez que facilita a vida desses invasores em território de isolados."

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